logo-valor-economico-v228/03/2014
Agentes autorizados, responsáveis pela venda de produtos e serviços de telefonia e TV por assinatura, estão contestando na Justiça a política comercial praticada pelas grandes operadoras desses setores no Brasil. Os agentes já abriram 100 processos contra as operadoras, que envolvem diferentes reclamações referentes a pagamentos por seus serviços, em um total de R$ 510 milhões. Estão programadas mais 211 ações para serem levadas à Justiça até o fim do ano, o que elevaria o valor reclamado a R$ 1,26 bilhão.
As informações são da Associação Brasileira de Agentes, Parceiros e Autorizados Terceirizados do Mercado de Telecomunicações Fixa, Móvel, TV por Assinatura e Digital (Abratelecom), que representa 20 mil empresas e tem 600 associados em nível nacional. A organização dá apoio jurídico aos agentes. Mas, por trás da disputa, estaria a tentativa das teles de se protegerem de possíveis fraudes relativas a falsas contratações de serviços.

No centro das discussões, está o sistema de comissionamento pago pelas teles aos agentes. Os donos de lojas ou escritórios que levam a marca das operadoras e atendem, respectivamente, o consumidor final e as empresas, reclamam que as teles têm retido parte significativa das comissões. A cada mês, a operadora envia para o agente um extrato do que deve ser pago sobre o período. O agente compara os dados com o seu próprio controle e gera a nota fiscal.

Segundo a Abratelecom, nos casos denunciados, entre 60% e 100% do valor da comissão não foi pago. Isso teria contribuído para que muitos agentes autorizados desistissem do negócio. O Valor ouviu dez casos de empresários que já fecharam as portas ou estão em fase de conclusão. Segundo a associação, cerca de 6 mil funcionários foram demitidos dos escritórios envolvidos nesses casos no país.

“Quando o agente questiona sobre os valores devidos, a empresa diz que ele precisa recorrer para receber”, disse ao Valor, André Hummel, presidente da Abratelecom. “Mas a análise demora meses e o ressarcimento nunca é de todo o valor devido, nem é corrigido.”

Há casos em que o estorno da comissão é justificado pela operadora. Quando o cliente permanece só quatro meses na base, por exemplo, e cancela o serviço, independentemente do motivo, a comissão é descontada do agente. “O empresário, no entanto, já pagou impostos sobre o produto ou serviço, e a comissão do vendedor”, disse Hummel.

Este método de remuneração, segundo a Abratelecom, seria praticado por Telefônica / Vivo, TIM, Oi, GVT e América Móvil, que integra Embratel, Claro e Net. A queixa foi levada à União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale), que reúne as Assembleias Legislativas de todo o país. A Unale encaminhou o problema para discussão nas 16 Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que investigam o setor de telefonia em diferentes Estados.

Questionadas pelo Valor, as operadoras preferiram não entrar em detalhes sobre as acusações. Por meio de nota, a Embratel afirmou que “não há estornos na comissão de nenhum serviço de instalação ou assistência técnica da Claro TV e do Claro Fixo”. A GVT disse que “efetua o pagamento de seus agentes autorizados de acordo com as regras estabelecidas em contrato”.

A Telefônica/Vivo afirmou que “as regras de negócios são estabelecidas com transparência e racionalidade, sempre respeitando os contratos estabelecidos”. A TIM informou que os contratos que regem o relacionamento entre empresa e revendedor “são parte integrante da estratégia comercial da empresa, que tem como principal objetivo desenvolver os serviços oferecidos e coibir fraudes que possam gerar prejuízos ao consumidor”. Já a Oi informou que tem “uma relação transparente com seus parceiros comerciais e não tolera nenhum tipo de fraude”. A Claro não quis se pronunciar e a Net disse que não pratica nenhuma das ações denunciadas pela associação.

O Valor apurou que, nos últimos anos, as operadoras decidiram se proteger de maneira mais contundente de fraudes relativas às suas vendas. “Isso acontece principalmente nos call centers das operadoras, que têm equipes próprias”, disse uma ex-executiva do setor de telecomunicações. Segundo ela, nesses casos, o vendedor simula, por exemplo, a venda de um serviço premium para quem pediu um serviço básico, a fim de receber uma remuneração mais alta. Também acontece a venda de produtos como banda larga ou TV paga em regiões onde a rede ainda não chegou. Até o cliente descobrir, o vendedor já recebeu a comissão.

Ao determinar que o cliente precisa ficar ao menos quatro meses na base para o agente receber a comissão, a operadora procura inibir esse tipo de prática. “É louvável que a operadora esteja empenhada em controlar as fraudes, mas é preciso lembrar que as empresas incentivam indiretamente essa situação”, disse um analista do setor. Ele se refere aos pacotes que prometem descontos nos três ou quatro primeiros meses de ativação. “Depois disso, volta o preço normal e corre-se o risco de uma série de cancelamentos”, afirmou.

Para Renato Pasquini, analista de telecomunicações da Frost & Sullivan, é positivo o controle das operadoras sobre as fraudes. “Mas é preciso maior transparência e separar o que é fraude do que é comissão devida”, disse. Apenas a Claro e a Oi informam quanto pagam de comissão de vendas – em 2012, a Claro desembolsou R$ 555,5 milhões, uma alta de 13% sobre 2011. Na Oi, no primeiro semestre deste ano, houve uma queda de 18% no pagamento das comissões, que somaram R$ 345,2 milhões. “Não sabemos quanto os terceiros representam do total, mas eles são a maioria”, disse Pasquini.

De acordo com a Abratelecom, os 20 mil agentes autorizados no país respondem por cerca de 90% das vendas das operadoras. Não estão incluídos os pontos que apenas vendem o chip ou fazem a recarga do pré-pago, como casas lotéricas e bancas de jornal. “O que caracteriza um agente autorizado é a ativação da linha pós-paga, que vale muito mais do que a venda do chip ou da recarga”, disse Hummel. Segundo ele, o relacionamento com as teles começou a ficar mais difícil nos últimos três anos. “Com a estabilização do mercado, cada tele passou a deter determinado ‘market share’, sem grandes expectativas de mudança”, disse. Uma alternativa para aumentar a geração de caixa, segundo Hummel, foi a retenção das comissões, que acabam se concentrando no último trimestre do ano.

“A operadora começa o ano com um orçamento de R$ 800 milhões, por exemplo, para pagar agentes autorizados. Chegou ao meio do ano, ela já pagou R$ 500 milhões. É claro que o pagamento das comissões vai superar o que ela tinha planejado, então ela começa a gerar os estornos de comissão, para atingir as metas do exercício fiscal e apresentar bons resultados aos acionistas”, disse Hummel.

Fonte: Valor Econômico