Se a TI continuar pensando de forma analógica, não vai suportar a velocidade e agilidade do mundo digital

Acredito que nenhum CIO discorda que velocidade, agilidade e inovação são pilares básicos da sobrevivência dos negócios na sociedade digital. Todos os setores industriais estão sendo afetados pela transformação digital. As proteções regulatórias não conseguem evitar as disrupções por muito tempo.

O setor financeiro, por exemplo, começa a ser perturbado pelo surgimento de negócios P2P (peer-to-peer), como LendingClub e Prosper nos EUA. A Prosper já ultrapassou a marca dos 4 bilhões de dólares em empréstimos. Vale a pena investir meia hora para ver a palestra do CEO da empresa e os slides da apresentação. Uma demonstração de como estes novos modelos de negócio já começam a incomodar os bancos tradicionais é a proibição feita pelo banco Wells Fargo impedindo seus funcionários de investirem nesta plataforma. Vejam o texto “Wells Fargo bans staff from investing in P2P loans”.

Aqui no Brasil, embora modelos P2P sejam ainda proibidos de atuar por força da legislação que obriga que uma instituição financeira participe das operações, já observamos as primeiras startups começando a mudar a dinâmica deste setor. Estas startups são chamadas de “fintechs” e usam tecnologia massivamente para automatizar processos normalmente feitos de forma manual ou com grande interferência humana. Com software fazendo quase todo o trabalho, e estruturas enxutas, seus custos são imensamente mais baixos. Um bom exemplo brasileiro é o Nubank. Apesar das restrições, é provável que estas empresas ganhem musculatura e promovam mudanças nas regulações para estas ficarem similares ao que já vemos em outros países.

Aí chamamos atenção para um ponto importante. Os bancos tradicionais usam intensamente tecnologia, mas como sua cultura foi construída no mundo analógico, não têm a agilidade e capacidade de inovação disruptiva das empresas digitais. Seu pensamento é limitado pela regulação, mas a criatividade da mentalidade digital permite ser inovador dentro das regras atuais, até que elas finalmente mudem.

E não são apenas os bancos que estão sob ameaça de disrupções. Vejamos o setor industrial. A Tesla Motors inova tanto na indústria de carros elétricos quanto no modelo de negócios, pois não usa concessionárias tradicionais, mas vende diretamente ao cliente. Suas vendas são pela web ou em lojas “Apple style”. Também não ganha rios de dinheiro com manutenção, como a indústria automotiva tradicional, pois os veículos elétricos não requerem troca de óleo nem as custosas manutenções dos veículos a combustão. É um modelo que cria ruptura em toda a cadeia automotiva, da fábrica às concessionárias.

A indústria farmacêutica é outra que está diante de disrupção. Com bioinformática consegue-se mapear o genoma humano e criar drogas que combatem diretamente as mutações genéticas que causam doenças como o câncer. Também o modelo tradicional de venda de drogas em massa pode ser transformado em venda direcionada, personalizada. Em vez de vender caixa de 30 comprimidos, se a receita apontar apenas dez doses, serão vendidas apenas estas dez pílulas. Lembram dos CDs da indústria fonográfica? Éramos obrigados a comprar um CD com 20 músicas por causa de duas ou três que nos interessavam. Surgiu o download (iTunes) e agora o streaming de música (Spotify). Este é um caminho que a indústria farmacêutica deverá trilhar em breve. Outra quebra de paradigma da indústria deverá ser a junção dela com as empresas de tecnologia. Uma vende drogas para arritmia cardíaca e outra oferece aparelhos que controlam o batimento cardíaco remotamente e em tempo real. Combinando as duas indústrias, temos um novo modelo de negócios, baseado em serviços de saúde preditivos. Um exemplo prático é a parceria da Novartis com o Google para lentes de contato que gerenciam o nível de glicose no sangue. Vale a pena ler o artigo ”Novartis and Google to Work on Smart Contact Lenses”.

Como as empresas pré-Internet podem reagir a estas mudanças tecnológicas? Na minha opinião é importante adquirir uma liderança e cultura digital e mudar sua mentalidade para “pensar digital”. Vamos olhar uma função fundamental para elas, a sua TI. Por exemplo, os bancos, têm uma massa de desenvolvedores muito grande. Alguns têm mais desenvolvedores que empresas de software como Microsoft. As empresas de telco também têm grandes áreas de TI. Mas Skype, Whatsapp, LendingClub, etc, não surgiram de dentro destas empresas.

Seus processos de criação de sistemas, em sua grande maioria, são extremamente burocráticos. Desenha-se a solução, congela-se as mudanças durante o rollout e o sistema é entregue muitos meses após sua concepção original. São inumeráveis linhas de código, testadas por equipes separadas dos desenvolvedores, que precisam esperar semanas para um ambiente de teste ser preparado. Depois tudo é repassado para produção, e caso algum problema inevitável aconteça ou uma mudança seja necessária, todo um processo lento e burocrático é demandado para que a mudança seja ativada. As mudanças são geralmente agrupadas e implementadas de uma vez, algumas poucas vezes por ano. Enquanto isso, empresas como Facebook liberam milhões de linhas de código e implementam centenas de pequenas mudanças em seus sistemas diariamente, sem downtimes. Um Facebook fora do ar gera um prejuízo incalculável. Amazon libera um novo pedaço de código a cada dez segundos, atualiza 10 mil servidores de uma única vez e pode fazer um roll back com um único comando. A Amazon é, com certeza, uma varejista bem maior que a maioria das empresas varejistas brasileiras.

O que é pensar digital em TI? Simples: criar uma TI bimodal e adotar os princípios de DevOps e entrega contínua! Sair de entregas complexas a cada 4- 6 meses para múltiplas entregas por semana, ou por dia. Como fazer? Primeiro simplificando e desburocratizando os processos. Adotar modelo de programação modular e baseado em APIs. É fundamental a compreensão que uma estratégia de APIs possibilita agilidade e novos negócios e não é apenas um modismo tecnológico. Sugiro a leitura do texto “The Secret to Amazons Success Internal APIs”.

É essencial também automatizar as atividades. Em vez de demorados testes manuais por equipes isoladas, atuar em estreita colaboração entre desenvolvedores-testadores-pessoal de operação e usar ferramentas de testes automatizados que possibilitem que pelo menos 80% destes sejam feitos sem interferência humana. Uso de computação em nuvem para agilizar a disponibilidade de ambientes de teste. Além de evitar esperas de semanas (com cloud falamos em minutos) consegue-se colocar em prática novas atividades como testes A/B, por exemplo.

Se a empresa tiver uma estratégia digital é inevitável que sua TI seja transformada. Se ela continuar pensando de forma analógica, não vai suportar a velocidade e agilidade do mundo digital. Portanto, princípios como DevOps e entrega contínua e uso massivo de Cloud Computing não são questões de tecnologia, mas de mudanças estratégicas do negócio. São a base uma TI que vai suportar a estratégia de transformação digital da empresa. É uma questão estratégica de quanto queremos que a nossa TI seja relevante.

Fonte: Computerworld