Segundo investigação, defensores recebiam suborno de empresa para prejudicar quem os contratava em processos milionários. Advogados de Taquara e escritório de Porto Alegre são investigados.
Entre os investigados, estão ex-integrantes do Judiciário e do Ministério Público. Uma operação sigilosa cumpriu cinco mandados de busca e apreensão na semana passada em Porto Alegre e no interior.
Entre os alvos, estão dois advogados suspeitos de enganar os próprios clientes em processos milionários na Justiça. Em Taquara, os policiais a serviço da Promotoria Especializada Criminal estiveram no escritório de Evandro Montemezzo, em busca de provas.
A investigação aponta que ele e o colega Flávio Carniel teriam recebido R$ 15 milhões da operadora Oi, ex Brasil Telecom, para desistir das ações sem que os clientes soubessem, abrindo mão do dinheiro a que teriam direito.
Os valores eram referentes a ações da antiga CRT, como explica o promotor Flávio Duarte.
“Esses processos já estavam em várias fases, alguns deles em fase quase de pagamento da empresa de telefonia para as pessoas e, como um passe de mágica, a partir do contato dos advogados que a empresa de telefonia teve diretamente com os advogados, os advogados renunciaram ao direito dessas pessoas, traindo a confiança que eles deveriam ter com quem eles representavam”, diz.
Sem saber dos acordos, alguns clientes não recebiam nada. Outros, apenas pequenas quantias, quando poderiam ter direito até a milhões de reais. É o caso de uma funcionária pública, que preferiu não se identificar.
Ela recebeu apenas R$ 1,4 mil e desconfiou. Acabou descobrindo que a indenização era muito maior: R$ 270 mil.
“Eu fiquei chocada porque eu fui lesada duas vezes. Uma pelo direito que eu tinha pela Brasil Telecom e outra por um profissional que eu contratei, né? E que me deixou nessa situação extremamente desagradável”, afirma.
Para garantir o ressarcimento das vítimas, a Promotoria conseguiu judicialmente bloquear contas bancárias, dois veículos de luxo e sete imóveis dos advogados, incluindo uma mansão de Evandro Montemezzo, situada no Centro da cidade, onde também foi cumprido mandado de busca.
Escritório de Porto Alegre também é investigado
Para fechar os acordos sem conhecimento das vítimas, a Oi contratou um escritório de advocacia de Porto Alegre.
“Nós constatamos isso a partir da quebra do sigilo bancário que se constatou pagamentos de valores da operadora de telefonia para o escritório de advocacia que representava essa operadora em Porto Alegre, e depois o imediato repasse desses valores para a sociedade de advogados das quais esses dois investigados faziam parte”, explica.
O advogado investigado em Porto Alegre é Ricardo de Oliveira Silva, procurador de Justiça aposentado, que chegou a concorrer ao cargo de chefe do Ministério Público. O escritório dele também foi alvo de buscas.
Silva teria repassado os R$ 15 milhões aos colegas de Taquara, a pedido da Oi. O advogado e a filha também tiveram três veículos e quatro imóveis bloqueados pela Justiça.
O delegado da Polícia Federal de Passo Fundo Mário Luiz Vieira Prudêncio também investiga o procurador aposentado. A suspeita é que ele tenha repassado dinheiro a mais dois colegas, para que eles realizassem acordos judiciais prejudicando os clientes, como no caso de Taquara.
A PF diz que Roger Maurício Bellé, de Bento Gonçalves, na serra gaúcha, e Cássio Viegas de Oliveira, de Montenegro, no Vale do Caí, representavam vítimas que tinham direito a mais R$ 60 milhões. Nesses processos, um dos acordos era de R$ 12 milhões, que seriam destinados a cinco clientes.
Em vez de dividir esse total, eles receberam apenas R$ 15 mil cada. Em depoimento, uma das vítimas disse que desconhecia o acordo e que esperava receber o valor integral.
“Eles acordavam um escritório com o outro para desistir do processo e obviamente pela investigação que nós estamos levando a cabo aqui, 40% a Brasil Telecom pagava por fora e não por dentro do processo em acordo judicial”, observa o delegado.
“Tudo ilegamente. Fraude, organização criminosa praticando estelionato, falsidade ideológica, enganando as vítimas, enfim, uma série de crimes que nós estamos investigando”.
‘Advogado do diabo’, diz cliente prejudicado
Os advogados de Bento Gonçalves e Montenegro eram ligados ao escritório de Maurício Dal’Agnol, de Passo Fundo, já indiciado por receber R$ 50 milhões da operadora para prejudicar clientes como o padeiro Edson Geriberto Boeck, de São Gabriel. Ele teria direito a R$ 609 mil, mas recebeu apenas R$ 3,5 mil.
Hoje, ele vive com um salário mínimo. Vítima de infarto, precisa comprar 11 medicamentos.
“Foi advogado do diabo. Tanto de um lado como do outro, só que ele visou só o lado dele, ele não visou o lado do cliente, ele não preservou a ética de um advogado que se preze”, desabafa.
“Isso foi uma traição aos clientes, traição à confiança dos clientes, sem contar que essa postura dele violou todos os deveres éticos de um advogado”, afirma a advogada Ana Carolina Reschke, que defende as vítimas.
Em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, três advogados foram denunciados pelo mesmo esquema. Entre eles, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça (TJ-RS), Moacir Haeser. Eles teriam feito acordos que prejudicaram os próprios clientes deles.
O catador Paulo Ubirajara de Moura e a mãe foram procurados por um dos advogados. O acordo reduziu pela metade o dinheiro a que eles tinham direito.
“As pessoas acabam desacreditando em tudo, a gente fica sem ter o que dizer praticamente. Dizer o quê? Não dá pra confiar em nada, a gente confia e leva o golpe”.
Contrapontos
A Oi, que comprou a Brasil Telecom, esclareceu por meio de nota (leia na íntegra abaixo) que, até o momento, a empresa não é objeto da investigação mencionada pela reportagem e que o fato é restrito a prestadores de serviços jurídicos à empresa, mas se colocou à disposição para prestar eventuais esclarecimentos para contribuir com as apurações.
Os advogados Augostinho Teloken e João Pedro Weide disseram que todos os acordos realizados foram benéficos aos clientes e que todos eles receberam o dinheiro a que tinham direito.
Já o advogado Moacir Haeser considera a denúncia uma injustiça e que os acordos foram feito com base em decisões de instâncias superiores de Justiça.
Os advogados Evandro Montemezzo e Ricardo de Oliveira Silva não retornaram os pedidos de entrevista.
O advogado Flávio Carniel nega envolvimento no caso e diz que todos os pagamentos feitos aos clientes ocorreram dentro da lei.
A defesa de Roger Maurício Bellé nega a acusação e diz que o advogado era apenas um parceiro de Maurício Dal’Agnol, que era quem sacava os valores e entregava os cheques para Roger distribuir aos clientes.
Já o advogado Cássio Viegas de Oliveira declarou que não vai se manifestar porque não foi comunicado da investigação.
Leia a nota da Oi na íntegra:
A Oi esclarece que até o momento a empresa não é objeto da investigação mencionada pela reportagem e, ao que tem conhecimento pela mídia, o fato é restrito a um suposto episódio envolvendo um dos prestadores de serviços jurídicos. A Oi acrescenta que confia na técnica e discernimento das autoridades investigativas e se coloca à disposição para prestar eventuais esclarecimentos a fim de contribuir com as apurações em curso.
Fonte: Site G1 – Por Giovani Grizotti, RBS TV –